quarta-feira, outubro 26, 2005

passar...



Vivemos como se o auge da vida ainda estivesse para vir, num futuro mais ou menos longínquo.
Mas quantas vezes os acontecimentos desmentem essa visão da vida...
Quantas pessoas se afadigam para construir a sua estabilidade e, de repente, partem... Terão os seus esforços sido em vão?
Vivemos mesmo uma trágica excepção na história do universo? Nascemos para não ser? É a vida que em nós se acende um tributo ao absurdo?
Do nada ao nada, o espaço de uma vida de sonhos, frustrações, alegrias breves, sofrimentos irrecusáveis. Um arranhar as paredes do vazio em busca de ar puro que nos salve da claustrofobia da nossa finitude...
E o que está nas nossas mãos? A vida dos mais próximos? Os sonhos? O quê?
Passamos. Todos passamos. Parece que passar é o mais próprio do que somos. Sem uma Ítaca que dê sentido à palavra chegada.
Cada momento, mais uma acha na fogueira da angústia. Sem remédio.
Mas quantas vezes nos calamos para nos pôrmos à escuta?
Haverá vida no estarmos vivos? Hei!!!! Está aí alguém?!
Ou é a nossa consciência uma casca amorfa, um casulo para uma crisálida que nunca verá a luz do dia?
Hei!!!!!!
E o peso. Sempre presente. Amanhã, amanhã, amanhã...
O passado. Sempre presente. O que falhámos. O que perdemos.
E só o presente está ausente da nossa consciência. O agora é obscurecido pelo não ainda e pelo que já passou e que já não existe. O futuro ainda não existe, neste momento nada é. O passado já não existe. O que somos fica, portanto, refém do nada.
E há os mecanismos de criação de culpa, as fábricas do medo que, em inúmeras ocasiões, arrastam multidões.
E as pessoas aprendem a viver na dissociação. A considerarem-se menos do que são, impossibilitadas de alcançarem a redenção em si mesmas e por si mesmas. Cindidas, dilaceradas, irremediavelmente entregues a um sofrimento atroz.
E quando essas fábricas vão à falência, deixam hábitos enraízados nos operários da culpa. Para sempre expulsos do Paraíso.
E a vida torna-se uma competição sem sentido. Fantasmas a lutar por quimeras. Coisa nenhuma a passar por tesoiros deslumbrantes. Um elogio do chefe, uma marca distintiva no campo de concentração de estarmos cá, uma promoção, um louvor... Tudo coisas que podem encher o coração de um homem, como está bem de ver...
E, contudo, o mundo existe. O Sol nasce todas as manhãs. E a noite vem em todas as tardes. É a deslumbrância do presente.

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